09 julho 2011

Conversas Familiares de Além túmulo



Revista Espírita, janeiro de 1859
Chaudruc Duelos e Diógenes. Duelos.
1. Evocação. - R. Estou aqui.
O senhor Adrien, médium vidente, que não o vira jamais em sua vida, dele fez o retrato
seguinte, achado muito exato pelas pessoas presentes que o conheceram.
Rosto comprido; bochechas ocas; testa convexa e enrugada. Nariz um pouco longo e
ligeiramente curvado; olhos cinzentos e um pouco à flor da cabeça; boca média, zombeteira;
tez um pouco amarela; cabelos grisalhos, e longa barba. Talhe antes grande que pequeno.
Paletó de lã azul, todo ralado e furado; calça negra, gasta e em farrapos; colete de cor clara,
lenço de pescoço amarrado em gravata, de uma cor sem nome.
2. Lembrai-vos de vossa última existência terrestre? - R. Perfeitamente.
3. Que motivo vos levou ao gênero de vida excêntrica que adotastes? - R. Estava cansado da
vida e tive pena dos homens e dos motivos de suas ações.
4. Diz-se que era uma vingança e para humilhar um parente educado; é verdade? - R. Não só
por isso; humilhando esse homem, humilhava muitos outros com isso.
5. Se era uma vingança, ela vos custou caro, porque vos privastes, durante longos anos, de
todos os gozos sociais para satisfazê-la. Não acháveis isso um pouco duro? - R. Eu gozava de
um outro modo.
6. Havia, ao lado disso, um pensamento filosófico e foi por essa razão que se vos comparou a
Diógenes? - R. Havia alguma relação com a parte menos sadia da filosofia desse homem.
7. Que pensais de Diógenes? - R. Pouca coisa; é um pouco o que penso de mim. Diógenes
tinha sobre nós a vantagem de ter feito alguns anos mais cedo o que fiz, e no meio de
homens menos civilizados que aqueles no meio dos quais vivi.
8. Há, entretanto, uma diferença entre Diógenes e vós: nele, sua conduta era uma
conseqüência de seu sistema filosófico; ao passo que em vós ela tinha seu princípio na
vingança! - R. A vingança em mim conduziu à filosofia.
9. Sofríeis por vos ver assim isolado, e ser um objeto de desprezo e de desgosto; porque
vossa educação vos distanciava da sociedade dos mendigos e dos vagabundos, e éreis
repelido pelas pessoas bem educadas? - R. Sabia que não se tem amigos na Terra; eu o
havia experimentado muito, ai de mim!
10. Quais são as vossas ocupações atuais e onde passais vosso tempo? - R. Percorro mundos
melhores e me instruo... Ali há muitas boas almas que nos revelam a ciência celeste dos
Espíritos.
11. Retornastes, alguma vez, ao Palais-Royal, desde vossa morte? - R. Que me importa o
Palais-Royal!
12. Entre as pessoas que estão aqui, reconheceis as que conhecestes nas vossas
peregrinações ao Palais-Royal? - R. Como não o faria?
13. Reviste-as com prazer? - R. Com prazer; mesmo com o maior prazer foram boas para
mim.
14. Revistes vosso amigo Charles Nodier? - R. Sim, sobretudo depois de sua morte.
15. Ele está errante ou reencarnado? - R. Errante como eu.
16. Por que escolhestes o Palais-Royal, o lugar mais freqüentado em Paris, para os vossos
passeios; isso não está de acordo com o vosso gosto misantropo? - R. Lá eu via todo mundo,
todas as tardes.
17. Não havia, talvez, um sentimento de orgulho de vossa parte? - R. Sim, infelizmente; o
orgulho teve uma boa parte em minha vida.
18. Sois mais feliz agora?- R. Oh! sim.
19. Entretanto, vosso gênero de existência não deveu contribuir para o vosso
aperfeiçoamento? - R. Essa existência terrestre! Mais que pensais, todavia: eu não tinha
momentos sombrios, quando reentrei sozinho e abandonado em minha casa? Ali, tive o
tempo de amadurecer bem os pensamentos.
20. Se tivesses a escolher uma outra existência, como a escolheríeis? - R. Não mais sobre
vossa Terra; posso esperar melhor hoje.
21. Lembrai-vos de vossa penúltima existência? - R. Sim, e de outras também.
22. Onde tivestes essas existências? - R. Na Terra e em outros mundos.
23. E a penúltima?- R. Na Terra.
24. Podeis no-la fazer conhecer? - R. Não o posso; era uma existência obscura e oculta.
25. Sem nos revelar essa existência, poderíeis dizer-nos qual relação havia com a que
conhecemos, porque esta deve ser uma conseqüência da outra? - R. Uma conseqüência,
positivamente, mas um complemento: vivi infeliz por vícios e faltas que se modificaram bem
antes que viesse a habitar o corpo que conhecestes.
26. Podemos fazer alguma coisa que vos seja útil, ou agradável? - R. Ai de mim! Pouco;
estou bem acima da Terra, hoje.
Diógenes.
1. Evocação. - R. Ah! Venho de longe!
2. Podeis aparecer ao senhor Adrien, nosso médium vidente, tal qual éreis na existência que
vos conhecemos? - R. Sim, e mesmo vir com minha lanterna, se o desejais.
Retrato.
Testa larga e as bossas laterais muito ossudas, nariz delgado e curvado; boca grande e séria;
olhos negros e cravados na órbita; olhar penetrante e zombeteiro. Talhe um pouco alongado,
magro e enrugado, tez amarela; bigode e barba incultos; cabelos grisalhos e dispersos.
Roupagens brancas e muito sujas; os braços nus, assim como as pernas; o corpo magro,
ossudo. Más sandálias amarradas às pernas por cordas.
3. Dissestes que vínheis de longe: de qual mundo vindes? - R. Vós não o conheceis.
4. Teríeis a bondade de responder a algumas perguntas? - R. Com prazer.
5. A existência que vos conhecemos sob o nome de Diógenes o Cínico, vos foi proveitosa para
a vossa felicidade futura? - R. Muito; errastes em torná-la em zombaria, como fizeram meus
contemporâneos; espanto-me mesmo que a história haja pouco esclarecido minha existência,
e que a posteridade, pode-se dize-lo, foi injusta a meu respeito.
6. Que bem fizestes, porque vossa existência era bastante pessoal? - R. Trabalhei por mim,
mas pôde-se aprender muito em me vendo.
7. Quais são as qualidades que queríeis encontrar nos homens e que procuráveis com a vossa
lanterna? - R. Da energia.
8. Se tivésseis encontrado, em vosso caminho, o homem que acabamos de evocar, Chaudruc
Duelos, encontraríeis nele o homem que procuráveis, porque ele também se abstinha
voluntariamente de todo o supérfluo? - R. Não.
9. Que pensais dele? - R. Sua alma extraviou-se na Terra; quantos são como ele e não o
sabem; ele ao menos o sabia.
10. As qualidades que procuráveis no homem, segundo vós, credes havê-las possuído? - R.
Sem dúvida: eu era meu critério.
11. Qual é dos filósofos de vosso tempo o que preferis? - R. Sócrates.
12. Qual é o que preferis agora? - R. Sócrates.
13. E Platão, que dizeis dele? - R. Muito duro; sua filosofia é muito severa: eu admitia os
poetas, e ele não.
14. O que se conta de vossa entrevista com Alexandre é real? - R. Muito real; a história
mesma a mutilou.
15. Em que a história a mutilou? - R. Entendo falar de outras conversas que tivemos juntos:
credes que veio ver-me para não dizer-me senão uma palavra?
16. A palavra que se lhe imputa, a saber, de que se não fosse Alexandre gostaria de ser
Diógenes, é real? - R. Ele disse, talvez, mas não diante de mim. Alexandre era um jovem
louco, vão e confiado; eu era, aos seus olhos, um mendigo: como o tirano ousaria se mostrar
instruído pelo miserável?
17. Depois de vossa existência em Atenas, reencarnastes sobre a Terra? - R. Não, mas em
outros mundos. Atualmente, pertenço a um mundo onde não somos escravos: isso quer dizer
que se vos evocassem acordado, não faríeis o que fiz essa noite.
18. Poderíeis nos traçar o quadro das qualidades que procurareis no homem, tais como as
concebíeis então, e tais como as concebeis agora?
- R. Então.
Coragem, audácia, segurança de si mesmo
e poder sobre os homens pelo Espírito.
Agora.
Abnegação, doçura, poder sobre os homens pelo
coração.

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